Thiago Barcellos
Animações clássicas dos anos 60 I PARTE 5: "Astro Boy"

Com quase 70 anos de idade - e contando -, o personagem Astro Boy é um dos mais emblemáticos e influentes da cultura pop da segunda metade do século passado, tornando-se um marco cultural japonês.
A popularidade dos filmes de Godzilla liderou um tipo de entretenimento japonês chamado tokusatsu, que enfatizava ação desenfreada, fantasias e maquiagem pra lá de cafonas e efeitos especiais ao estilo atômico. A ancestral iguana Godzilla pode ter dado o pontapé inicial, mas no início dos anos 50, os monstros colossais deram lugar a super-heróis mascarados, e tudo levava a crer que Astro Boy se encaixaria perfeitamente a essa nova turba de benfeitores nipônicos.
Astro Boy nasceu como um personagem de mangá, no ano de 1951, nas histórias Captain Atom publicadas na Shonen Magazine.
Criado pelo lendário Osamu Tezuka seis anos após de a bomba atômica ser lançada sobre o Japão, a animação desenvolvida pela Mushi Production mistura "Pinóquio" e "Frankenstein", e gira em torno de um robô humanoide construído à semelhança de um menino com o objetivo de substituir o filho do Ministro da Ciência da cidade de Metro City, que morreu em um acidente de carro.
Porém, ao perceber que sua criatura futurista jamais seria capaz de preencher o vazio que sente, acaba o vendendo para o circo, que passa a chamá-lo de Atom. Os robôs, após alguns acontecimentos que, claro, envolveram Astro e o resgate de humanos por escolha dos próprios robôs, passaram a ter direitos iguais aos das pessoas. E apesar de ser um robô, o pequeno protagonista têm sentimentos como os de um humano, e luta para encontrar seu lugar no mundo.
O episódio inicial foi exibido como um especial de TV na véspera de Ano Novo (uma das noites mais assistidas na televisão japonesa) e foi um sucesso instantâneo. Astro Boy foi a primeira animação serializada a ir ao ar na televisão no Japão e foi exibida entre em 1 de janeiro de 1963 a 31 de dezembro de 1966 através de Fuji TV. A série consistia em 193 episódios e se tornaria a primeira série de animação japonesa exibida nos Estados Unidos.

Muito do sucesso da série animada se deu pelo fato de Astro se parecer com a sua própria audiência. Em algumas circunstâncias, o personagem representava a sensação de alienação que os jovens muitas vezes sentem ao entrar nos 'anos estranhos' do início da puberdade - ele parecia humano, mas era 'diferente' - ele era um robô.
Como se não bastasse, o personagem passou ainda por poucas e "boas": machucado ao extremo, desmembrado, torturado, exposto a assassinatos de pessoas de quem era próximo, entre outras inúmeras crueldades. Tudo isso contribuiu para tornar o personagem em um ícone do mangá e do anime de uma maneira que nenhum outro personagem chegasse perto de sua importância até mesmo nos dias de hoje.
Tezuka foi, desde muito jovem, fascinado pelos filmes de animação americanos, principalmente os de Walt Disney - embora a principal influência perceptível na série Astro Boy seja a dos Irmãos Fleischer. Assim como Walt Disney é conhecido como o avô e progenitor de muitos desenhos animados e personagens, Osamu Tezuka é o mesmo para os fãs japoneses pela criação de Astro Boy. Embora fosse inicialmente conhecido como Mighty Atom, logo ficou mais conhecido por seu nome popular - inclusive aqui no Brasil.
Detalhe curioso é que Tezuka possuía uma grande admiração pelo nosso Mauricio de Souza. As duas lendas se conheceram em 1984, quando atravessaram o mundo para conhecer o estúdio um do outro e até chegaram a combinar uma colaboração - que infelizmente não aconteceu até o falecimento de Tezuka, cinco anos depois.

O êxito de Astro Boy foi tamanho que projetou Tezuka e a indústria de quadrinhos e animações japonesas para o mundo, abrindo caminho para os animes contemporâneos.
Embora possa hoje parecer antiquado ou desatualizado, Astro Boy foi pioneiro, inovador e à frente de seu tempo. Astro Boy ainda se conecta com as pessoas hoje. Ele é o herói improvável do anime. Ele é o robô que anseia por humanidade. Ele nos ensinou o significado de ser humano por décadas, e ainda não concluiu totalmente essa mensagem.
E suas mensagens - ainda que pueris -, são de fato atemporais e interessantes para crianças e adultos. Tezuka rompe, portanto, com a imagem de ‘Walt Disney japonês’ para mostrar que tanto mangás quanto animes também podiam tratar de temas profundos.