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  • Foto do escritorThiago Barcellos

Faroeste, cordel e cinema brasileiro



O gênio de Glauber Rocha era uma assinatura.


Mas que vez ou outra surgia sozinha, em filmes indecifráveis como O leão de sete cabeças (realizado no Zaire em 71), artigos apocalípticos e sem sentido, mas calma, com paciência, se encontrava uma frase ou um movimento de câmera que o redimia do caos. Seu Dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969) é um bom exemplo.


Na pequena Milagres na Bahia, junta-se a uma marcha de desvalidos, um bando de cangaceiros devotos de Iansã e São Jorge, que cantam e dançam tal como num transe a sua própria miséria. Imunes à violência circundante, a massa proclama como numa romaria, uma indiscernível mescla entre delírio folclórico e uma religiosidade convulsiva.


Antônio das Mortes (Maurício do Valle), pistoleiro profissional a serviço de um coronel algo devasso – e cego – (Jofre Soares, representando aqui o Dragão da Maldade), é o exemplo nacional mais próximo da linha não dos westerns norte-americanos da estirpe de Budd Boetticher ou John Ford, mas sim da mesma linhagem da variante italiana, o subgênero fílmico Western Spaghetti, que se inscreve como um pastiche confesso do modelo tradicional.


Em Django – O Bastardo (1969) de Sergio Garrone por exemplo, não se vê a face do personagem, esta quase sempre envolvida por uma penumbra algo fantasmagórica. Em uma sequência em particular, a simples sombra da capa de Django “devora” um dos malfeitores. Temos afinal, a figura do anti-herói, uma espécie de ente sobrenatural, um carrasco sem escrúpulos ou a própria encarnação da morte, que emerge do limbo para a desforra. Antônio das Mortes possui os mesmos ecos de Django pela sua aparência taciturna, equivalente à do pistoleiro sinistro, e quase sempre excitante personagem visto em tantos faroestes europeus.




O mérito de Glauber é percebido na trama de diversos elementos que, além de comporem a dita identidade nacional, falam da literatura de cordel; Guimarães Rosa a torto e a direito; da religiosidade oriunda da África ancestral; da questão agrária e latifundiária do cangaço a partir de meados da década de 20; faroeste e, pasmem, ópera.


Não há diretor de cinema no Brasil que não seja devedor de Glauber Rocha.

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