
Thiago Barcellos
George Romero roteiriza um finado Brasil

Nesse Dia de Finados, me lembrei do "papa" dos mortos-vivos no cinema, George Romero.
Quando do desbarato da contracultura pela guerra do Vietnã, Romero levantou a bola de nossas fobias mais primitivas. A saber: racismo, desigualdades de classe, distúrbios civis, o colapso do núcleo familiar, o medo cristão do juízo final.
Cultor do terror como veículo de questões subjacentes, seus monstros eram o grande mal-estar urbano carregados de tintas sociais.
O cineasta ampliou a questão ancestral do cinema fantástico, que, até à época, era muito metafísico. O cara me vem e mete questões de ordem social, angústias mil e indagações terrenas.

Seu A Noite dos Mortos-Vivos (1968), deveria ser um filme derrotado pelo tempo. A revolução, ideia tão presente nos anos 60, tornou-se uma quimera ou uma ruína, conforme o gosto do freguês.
Mas o personagem negro criado por Romero não se pergunta tanto sobre a revolução como sobre si mesmo. É como se indagasse "quem sou eu?", em meio ao caos apocalíptico que o cerca. E isso vale para qualquer um, em qualquer tempo.
No Dicionário de Cinema, Jean Tulard diz que A Noite dos Mortos-Vivos colocou Romero no interior do “restrito círculo dos mestres de horror”. E acrescenta que ele conseguiu tornar verossímil a velha história de ressuscitados graças ao “contexto neorrealista”. O terror para Romero era assim mesmo, político.
Seu filme seguinte foi Despertar dos Mortos (1978), cujo tema era a sociedade de consumo, em pleno desbarato de lojas de titânicas como a Sears. Em Dia dos Mortos, (1986), o cineasta nos alertava para os germens do totalitarismo.

Romero, nessa primeira leva de filmes (ele viria a produzir tantos outros) mostra que terror não é apenas gritos e pulos e que pode haver reflexão.
O cineasta inaugurou um gênero que arrasta seguidores e gerou produtos de estrondoso sucesso, como a série The Walking Dead - um fenômeno.
O Brasil, se roteirizado por ele, teriam os mesmos párias engessados em capitalismo selvagem, bárbaro & nosso que, de andar claudicante, gemeriam errantes e famintos não apenas por carne humana, mas agora também por ossos.
O pobre, nessa nossa agonia tropical, não é mais chamado de faminto, mas de zumbi.
Romero já morreu, mas as suas questões ainda "vagam" por aí.