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  • Foto do escritorThiago Barcellos

Um Shakespeare preto



Kenneth Tynan, figura de proa da crítica teatral disse certa feita que Peter Brook é, no pós guerra, o maior diretor de Londres.


Discordo.


Brook está acima desta constatação, pois nasceu na época errada. A ele pertence o futuro (ele o prediz) porque não é obcecado pelo excesso interminável de palavras. São poucos os contemporâneos que o rivalizam. Seu telefilme, The Tragedy Hamlet (2002), produzido pela BBC, é uma profecia quando mostra em imagens bem mais do que em frases.


Demonstrar em gestos é o novo “falar”. Vide Adrian Lester como Hamlet, ator negro nascido na chuvosa Birmingham, Inglaterra. Seus olhos são divagantes. Fitos em dor e de fato desconcertantes.


Lester pode não ser o grande elocucionista shakespeariano John Guilgud “em possessão” no lendário teatro Old Vic, mas tem cara de cigano erudito; um timoneiro e também escravo de galés romanas capturado na África Oriental: esboça dor através do olhar – sem suar. Sua voz vibra como uma flecha, erguendo-se em certas inflexões (sutis) como uma serpente arábica desses mercados sujos na Costa do Marfim.


Havia em Hamlet (1948) de Laurence Olivier, a musicalidade dos versos. Adrian Lester, ao contrário, cria um motor de combustão interna, uma flama intuitiva – não se sabe, entretanto, se para uma sala de espetáculos sua dicção seja dominante até o fundo da galeria.



Olivier, além dos olhos triunfantes (mais escurecidos do que os de Lester), tinha uma voz apocalíptica e um magnetismo físico poderoso como um canhão.


Com Lester, Brook pinta um Hamlet que parece conhecer sua plateia e os riscos de interpretar um perfil tão complexo como o do Príncipe da Dinamarca. À primeira vista não é sublime, mas agrada. Não há impostações em sua interpretação e é aí que a há o estorvo de nossos julgamentos preconcebidos. Não obstante, Lester parece mais um anônimo que entrou para o olimpo dos que foram Hamlet.

Mas se examinarmos com maior critério, eis aí a pepita: a textura das suas palavras são de uma vivacidade lindamente desgastada; o solilóquio “ser ou não ser” é um espectro e é, em suma, objeto de grande contemplação e fascínio exatamente por parecer racional e ao mesmo tempo inconstante.


Como um vulcão ativo sem erupção.

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